quarta-feira, 30 de junho de 2010

O avanço do mar

Pesquisa da USP revela que o nível do oceano no Brasil sobe 4mm por ano. Índice é considerado alto e coloca em risco áreas litorâneas do país

(Correio Braziliense) “Não há dúvida de que o nível do mar tem aumentado gradativamente no litoral brasileiro.” A conclusão consta de estudo realizado pelo Laboratório de Marés e Processos Temporais Oceânicos (Maptolab) do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO/USP). O alerta significa que o país pode sofrer, no futuro, com uma das piores consequências do aquecimento global: a destruição de regiões inteiras localizadas próximo à costa.

As informações obtidas pela equipe do laboratório mostram que o nível do mar vem aumentando cerca de 40cm por século, ou 4mm por ano. O dado surgiu a partir de medições realizadas em estações de pesquisa de Cananeia e de Ubatuba, ambas no litoral de São Paulo, e da análise de registros colhidos em portos do país entre 1957 e 1993. As possíveis consequências do fenômeno vão da perda da faixa de areia à destruição de cidades, passando por ressacas mais violentas e inúmeros outros transtornos.

A equipe coordenada pelo professor Afrânio Mesquita fez uso de equipamentos específicos, como o medidor de boia flutuadora, além de um radar (veja arte abaixo). “Na nossa avaliação, os dados são extremamente preocupantes. A variação do nível do mar detectada é simplesmente absurda”, destaca Mesquita.

Medições feitas na região de Cananeia, por exemplo, mostram um movimento de afundamento vertical da costa na ordem de 0,11cm por ano. Isso faz com que o nível do mar suba em relação à costa 0,38cm no mesmo período. “Essa variação ameaça as praias, talvez, de toda a costa brasileira”, afirma Mesquita.

De acordo com a Marinha do Brasil, a elevação do nível do mar já afeta, direta ou indiretamente, as atividades costeiras. “No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, existem áreas que apresentam indícios claros de erosão, tais como Atafona, Barra do Furado, Macaé e até a praia do Leblon. Essas estariam mais vulneráveis à elevação do nível do mar”, afirma Geraldo Nogueira, professor de marés da Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha.

Monitoramento
A Marinha participa do Programa de Sistema Global de Observação do Nível do Mar (Gloss, na sigla em inglês) com seis estações maregráficas (de medição das marés) permanentes. O período mínimo de observação para estimar tendências de variação do nível do oceano é de 50 anos. “Atualmente, no Brasil, apenas as estações maregráficas da Ilha Fiscal (RJ) e de Cananeia possuem observações com período acima de 50 anos”, explica Nogueira. O professor acredita que, por ter uma costa muito extensa, o país deveria contar com uma rede de medição permanente, a fim de elaborar planos estratégicos de ocupação ou remoção de construções nas áreas onde a variação relativa do nível do mar for mais significativa.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é outra instituição brasileira participante do Gloss-Brasil, que compreende atividades relacionadas ao monitoramento do mar em águas jurisdicionais brasileiras. “Entre os objetivos, está a implantação de rede permanente de monitoramento do nível do mar, geração de dados com qualidade científica que suportem análises de tendência de longo período, capacitação de pessoas para a produção e análise de informações sobre esse tema, entre outras atribuições”, explica Milton Kampel, chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe.

A ferramenta básica de uma estação é o marégrafo, que registra a altura da água ao longo do tempo, utilizando diferentes sistemas. “Para integrar a rede, os marégrafos devem estar de acordo com o Plano de Implementação do Gloss”, destaca Kampel, lembrando que as estações Gloss também podem fazer medições de outros parâmetros meteorológicos e oceanográficos, como pressão atmosférica, temperatura do ar e da água, evaporação, direção e intensidade do vento.

O especialista do Inpe diz que a elevação do oceano preocupa porque as regiões costeiras costumam ter alta densidade populacional. “Milhões de pessoas vivem numa faixa entre 1m e 5m da linha de costa (maré alta). Bilhões de dólares em infraestrutura estão investidos em regiões imediatamente adjacentes à costa. A maioria das megalópoles mundiais, com populações de muitos milhões de habitantes, também estão na zona costeira”, lembra. Kampel aponta ainda que o nível do mar global aumentou durante o século passado e estima-se que essa elevação se acelere no século 21. “Entretanto, a magnitude do problema permanece incerta”, destaca. “Ainda que os impactos da elevação sejam potencialmente grandes, a aplicação e o sucesso de medidas para amenizar esses efeitos permanecem duvidosos, requerendo mais esforço de pesquisa”, alerta.

FRASE
"Na nossa avaliação, os dados são extremamente preocupantes. A variação do nível do mar detectada é simplesmente absurda”
Afrânio Mesquita, pesquisador da USP

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