segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Ciclos climáticos do planeta teriam se repetido

Processos atuais de resfriamento e de aquecimento abruptos da Terra podem ser compatíveis com os de épocas mais distantes
















(Pesquisa Fapesp) Quem visita o Parque do Varvito, em Itu, no interior de São Paulo, observa com facilidade as marcas do tempo esculpidas nas rochas ali expostas. São listras horizontais contínuas nos paredões de rocha, que há décadas intrigam pesquisadores de diferentes áreas. Por muito tempo a hipótese mais aceita para explicar essa formação era a de que essas camadas horizontais se formaram pelo depósito de sedimentos próximo a uma geleira há cerca 290 milhões de anos, em consequência de variações climáticas ocorridas naquele período geológico, o Permocarbonífero. Pensava-se que cada camada se formasse a cada verão, quando a geleira descongelasse. Agora, um trabalho realizado por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos, apresentado na forma de quatro artigos, indica que essa deposição aconteceu numa escala temporal mais ampla, que pode ter levado milhares de anos. O mais recente deles, publicado em janeiro na Geology, também indica que as variações atuais do clima, que se pensavam restritas ao último 1,8 milhão de anos, vêm ocorrendo desde os primórdios da Terra.

As rochas do Parque do Varvito são semelhantes às encontradas no município de Rio do Sul, em Santa Catarina, também analisadas pela equipe. Ambas pertencem ao Grupo Itararé, da Bacia do Paraná, que há 290 milhões de anos fazia parte do supercontinente Gondwana – que reunia a maior parte das terras hoje situadas no hemisfério Sul do planeta. Uma das autoras, Marcia Ernesto, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), realizou trabalho semelhante na década de 1970, quando a visão predominante era de que essas rochas representavam uma deposição anual típica de ambientes glaciais. Mas muitos pesquisasdores desconfiavam de que a deposição não era anual, porque a espessura das camadas varia de 4 a 5 centímetros a quase meio metro. “Seria necessária uma grande energia para formar camadas de até 50 centímetros em um ano”, contrapõe Marcia. “Hoje, com equipamentos mais sensíveis do que há três décadas, conseguimos analisar o magnetismo das rochas com maior detalhe para buscar uma solução.”

Para mostrar que essas camadas intituladas como varvito (rocha caracterizada por camadas de sedimentos depositados anualmente) não foram depositadas em períodos de um ano, os pesquisadores analisaram variações do campo magnético da Terra registradas nas rochas. Eles conseguiram determinar como era o campo magnético durante a formação de cada camada da rocha e compararam com a direção do campo magnético da Terra naquela época. “As variabilidades direcional e da intensidade do campo geomagnético podem permanecer armazenadas nas rochas por muitos milhões de anos”, explica Daniel Ribeiro Franco, atualmente no Observatório Nacional (ON), autor do estudo. Segundo os pesquisadores, as variações de direção no campo magnético encontradas entre as camadas eram maiores do que a esperada para ocorrer a cada ano.

Como não era possível verificar quanto tempo levou a deposição de cada camada, os pesquisadores usaram o que os especialistas chamam de “calibração astronômica” para investigar como a inclinação do eixo da Terra (obliquidade), o movimento dela em torno de seu próprio eixo (precessão) e a sua órbita ao redor do Sol – um conjunto de fatores conhecido como “ciclos de Milankovitch” – poderiam interferir no clima do planeta. Com isso, identificaram periodicidades de deposição em escala milenar, relacionadas ao ciclo solar de 2,4 mil anos, e variações do clima global associadas a mudanças no resfriamento e no aquecimento abruptos, conhecidos como “ciclos de Bond”, que, até então, eram considerados restritos ao Quaternário (o último 1,8 milhão de anos). “Nosso estudo possibilitou a identificação de processos quase periódicos (efeitos de resfriamento e aquecimento abruptos) surpreendentemente compatíveis com aqueles observados para épocas mais recentes da história da Terra”, afirma Franco.

Com o trabalho, a equipe levanta outra questão: os padrões climáticos que os pesquisadores sugerem para o Quaternário se aplicariam a toda a história da Terra? “O clima flutua naturalmente e o dessa época já era conhecido, mas determinar a variação cíclica da deposição dos sedimentos em função de parâmetros climáticos e astronômicos nos ajuda a entender melhor o que acontece hoje com o planeta”, diz Marcia. O próximo passo é estudar camadas menos espessas do Grupo Itararé para verificar se o intervalo de tempo entre sua deposição é menor e de outra natureza.

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