segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O fenômeno da ilha de calor urbana

Para entender melhor a anomalia climática, pesquisadores monitoraram a cidade de Madison, em Wisconsin


(Scientific American Brasil) Um recente estudo conduzido por pesquisadores da University of Wisconsin, em Madison, resultou em um dos registros mais detalhados da variação de temperatura entre cidades e as áreas rurais que as cercam; um fenômeno climático conhecido como ilha de calor urbana.

Jason Schatz e Christopher Kucharik do Instituto Nelson buscavam um conjunto de dados que refletisse com precisão como as temperaturas variavam em Madison a nível de bairros.

Para isso, eles instalaram 151 sensores de temperatura em postes telefônicos em áreas com densidades variáveis de edifícios. Cada sensor fez medições de 15 em 15 minutos durante um ano e meio, entre março de 2012 e outubro de 2013.

Depois disso, os pesquisadores examinaram quais fatores ambientais poderiam estar influenciando a variação de temperatura entre áreas urbanas e rurais.

“Nosso estudo é um avanço em termos de método; descrevemos o ambiente urbano muito mais detalhadamente”, observou Schatz, principal autor do estudo.

Segundo os autores, compreender o fenômeno está se tornando cada vez mais importante à medida que um número crescente de pessoas está se mudando para cidades e as mudanças climáticas estão aumentando as temperaturas médias em geral.

Com base em dados de 2010 da Organização Mundial da Saúde (OMS), espera-se que até 2030 cerca de 87% da população da América do Norte viva em áreas urbanas em comparação aos atuais 80%. E, de acordo com o novo estudo, grande parte desse crescimento urbano provavelmente ocorrerá em cidades pequenas e médias, como Madison, já que 50% das pessoas vivem em zonas urbanas com populações entre 100 mil e 500 mil habitantes.

Os dois pesquisadores constataram que a densidade de edificações e a falta de vegetação tiveram o maior impacto na variação de temperatura. Em Madison, o aquecimento foi mais pronunciado durante o verão, e particularmente à noite, em condições climáticas calmas e claras (sem nuvens).

Maior retenção de calor
Cidades tendem a reter mais calor que áreas rurais porque superfícies escuras absorvem calor durante o dia e o concreto é muito mais lento que a vegetação para liberá-lo à noite. Em áreas com mais vegetação, a evapotranspiração – a perda de água por evaporação e por transpiração de solo e plantas – ajuda a arrefecer o ar.

Schatz e Kucharik teorizaram que a quantidade mais abundante de folhagem no verão poderia explicar as diferenças sazonais do efeito ilha de calor urbana.

Outros fatores ambientais variáveis, como velocidade do vento, nebulosidade, umidade do ar, umidade do solo e cobertura de neve também influíram nesse fenômeno de aquecimento. Além disso, a topografia (a elevação do solo) e a proximidade de lagos também alteraram as temperaturas em áreas específicas de Madison.

“Ter dados mais precisos nos permite analisar muito mais variabilidades na área metropolitana; não observamos apenas um determinado período climático”, comemorou Jason Vargo, um pesquisador no Centro para Sustentabilidade e Meio Ambiente Global do Instituto Nelson.

Vargo não esteve envolvido na pesquisa original, mas está trabalhando com Schatz em um estudo de acompanhamento.

Os dois estão utilizando os dados de temperaturas específicas de bairros para estudar como o efeito ilha de calor urbana pode estar associado a internações hospitalares e índices de criminalidade em determinadas partes da cidade.

Usando os registros de temperatura em combinação com dados de cobertura vegetal publicamente disponíveis através do Banco de Dados de Cobertura do Solo Nacional (NLCD, na sigla em inglês), os pesquisadores criaram uma equação com a qual calcularam o efeito ilha de calor em diferentes áreas.

“Desde que a cobertura do solo esteja bem representada, você obterá uma noção bastante consistente de como é o clima em cada lugar”, explicou Schatz.

Embora essa mesma equação não possa ser usada para cálculos referentes a outras cidades, o estudo poderia ser facilmente replicado se outros municípios investissem em um número equivalente de sensores de temperatura e utilizassem o banco de dados nacional para estabelecer a cobertura de vegetação/folhagem em suas áreas, escreveram os pesquisadores.

Eles divulgaram suas descobertas na publicação científica American Meteorological Society em outubro.

Planejadores urbanos subestimam benefícios de árvores
O estudo não se concentrou em meios de ajudar cidades a se tornam mais frescas, mas muitos outros pesquisadores estão trabalhando para tratar desse problema.

Um método que alguns municípios estão experimentando é a silvicultura (arborização) urbana, uma tática que seria bem adequada a Madison, observou Kathleen Wolf, cientista social dedicada à pesquisa na University of Washington, em Seattle.

“Madison, em Wisconsin, é uma das melhores cidades nos Estados Unidos no que diz respeito à silvicultura urbana; eles têm um sistema em vigor há décadas”, exemplificou Wolf, que estuda as interações de humanos com árvores em ambientes urbanos. “Outras cidades do país só estão começando a fazer isso”.

Embora o campo já exista há uns 20 anos, a aceitação mais abrangente do plantio funcional, em vez de decorativo, de árvores é relativamente recente, admitiu a cientista, que trabalhou em sua área de especialização durante 25 anos.

Ela conta que há cerca de uma década começou a notar um interesse crescente, mais abrangente, em silvicultura urbana; mas nos últimos cinco anos “isso simplesmente explodiu”, arrematou.

De acordo com Wolf, cidades como Washington, D.C., Chicago (Illinois), Portland (Oregon), e Seattle (Washington) desenvolveram bons programas de arborização urbana.

Mas ainda há muito espaço para melhorar em todo o país, salientou.

Com base em sua experiência pessoal, Wolf observou que pessoas que estudam planejamento urbano não são muito expostas ao planejamento ambiental. “Muitos urbanistas não consideram a silvicultura urbana como uma solução substancial ou um elemento ao qual precisam se dedicar”, criticou.

E enfatizou o retorno sobre o investimento para cidades que plantam árvores.

“Autoridades municipais sempre pensam em depreciação de infraestrutura. Com árvores é diferente, assim que elas começam a crescer, elas valorizam”.

Pode levar décadas para árvores atingirem plena maturidade; portanto seu plantio não é uma solução rápida. Ainda assim, a atração de agir localmente contra o aumento da temperatura está inspirando mais colaboração.

Urbanistas, engenheiros e silvicultores urbanos começaram a interagir mais intensivamente entre si e a pensar em sistemas maiores, comemorou Wolf.

“Cidades são uma espécie de laboratório para efeitos de alterações climáticas no futuro”, comparou.

Aumentar a cobertura vegetal (foliar) não é a única maneira de ajudar a manter cidades mais arejadas. Elas podem abaixar suas temperaturas ao incorporarem superfícies reflexivas em telhados para desviar a absorção de calor.

Outra abordagem em larga escala poderia ser tornar as cidades mais compactas. De acordo com um estudo de 2010 do Georgia Institute of Technology (Georgia Tech, ou GT), em Atlanta, a expansão urbana, mesmo de cidades com populações relativamente pequenas, leva a um aumento mais rápido da ocorrência de eventos de calor extremo que cidades compactas.

“Aqui em Madison, podemos expandir para cima ou para fora. Vale à pena saber que efeitos isso poderia ter na temperatura”, observou Jason Schatz.

Um verão super quente é amplificado
Para Schatz, o verão de 2012 exemplificou as temperaturas que Madison e o restante da região sul de Wisconsin poderiam ver com mais frequência em julho e agosto em meados do século.

Naquele ano, Madison teve 39 dias com temperaturas acima de 32,2ºC. A média anual em geral é de 12 dias com mais de 32,2ºC, de acordo com dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA).

Schatz também citou um relatório de 2011 da Iniciativa Wisconsin contra Impactos de Mudança Climática que previu que a parte sul do estado provavelmente experimentará cerca de 25 dias por ano com mais de 32,2ºC até 2050.

O norte de Wisconsin, que normalmente só tem cerca de cinco dias com mais de 32,2ºC, provavelmente passaria desse teto 12 vezes por ano em meados do século.

Como essa pesquisa não levou em conta o efeito ilha de calor, os termômetros em Madison poderiam subir vários graus acima do previsto no relatório, alertou Schatz.

“É realmente importante entender a natureza [de ilhas de calor urbanas] e suas consequências, especialmente em vista das mudanças climáticas”, salientou.

O verão de 2012 tenha sido o segundo mais quente desde 1939, mas, de acordo com a NOAA, ele foi um “incidente isolado de aquecimento”. Aquele verão foi a única vez no século 21em que Madisonsuportou temperaturas superiores a 37,8ºC.

Os três dias mais quentes ocorreram durante uma única onda de calor, entre 4 e 6 de julho, com as máximas chegando a 38,8ºC e 40ºC.

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