sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O segredo da evolução animal


(Mensageiro Sideral - Folha) É uma das mais intrigantes perguntas já feitas sobre a biologia: o que fez com que alguns organismos abandonassem a simplicidade da vida unicelular, seguida com rigor durante bilhões de anos, e evoluíssem para atingir a complexidade vista no reino animal hoje? Foi um golpe de sorte? Acaso? Ou algo mais aconteceu? Segundo um grupo de pesquisadores americanos, a mudança estava no ar. Literalmente.

Resultados de análises de rochas colhidas em sedimentos antigos na China, na Austrália, no Canadá e nos Estados Unidos mostram que o momento em que o reino animal deu seus primeiros passos coincidiu com um brutal aumento da presença de oxigênio no ar.

Os pesquisadores liderados por Timothy Lyons, da Universidade da Califórnia em Riversidade, e Noah Planavsky, da Universidade Yale, investigaram especificamente a presença de certas variedades de cromo nessas amostras. Sabe-se que a presença de oxigênio no ar oxida esse elemento, deixando uma “assinatura” na rocha que permite estimar sua quantidade na atmosfera.

As rochas analisadas tinham entre 1,8 bilhão e 800 milhões de anos. Ou seja, elas correspondiam a um período em que não havia ainda vida animal em nosso planeta. Não por acaso, esse período é vulgarmente referido pelos pesquisadores como “o bilhão aborrecido”.

Por outro lado, como uma espécie de contraprova, eles testaram também sedimentos mais recentes, com idades entre 445 milhões e 90 milhões de anos, período em que já se sabe que a presença de oxigênio na atmosfera era significativa (dinossauro respirava pra caramba!).

As medições confirmaram isso sobre os períodos mais recentes, mostrando a validade da técnica, mas também revelaram um fato importante sobre o “bilhão aborrecido” — a presença de oxigênio no ar naquela época não chegava a 0,1% da quantidade atual. Só para lembrar, hoje esse gás perfaz cerca de 20% da nossa atmosfera (os outros 80% são nitrogênio, e demais gases figuram apenas em quantidades-traço).

COINCIDÊNCIA OU CONSEQUÊNCIA
O que há de tão interessante nisso? Não é tanto a relação entre oxigênio e vida animal, que já é meio óbvia. (Tente ficar sem respirar.) Já sabíamos que a manutenção de seres multicelulares complexos exige um metabolismo poderoso, que por sua vez, até onde sabemos, obrigatoriamente demanda quantidades significativas de oxigênio.

O que realmente faz os cientistas coçarem a cabeça é o seguinte: uma vez que você tem quantidades significativas de oxigênio na atmosfera, o salto para vida complexa é natural, ou foi preciso também uma grande dose de sorte evolutiva para acontecer?

Se os cientistas tivessem determinado que o “bilhão aborrecido” teve quantidades significativas de oxigênio, seríamos obrigados a imaginar que o salto para a vida complexa foi um golpe de sorte genético, que aconteceu muito tempo depois que as condições se mostraram favoráveis a ela.

Em vez disso, os pesquisadores verificaram que o aumento de oxigênio acontece praticamente na mesma época em que os fósseis animais começam a proliferar pela Terra. Uma coisa parece estar de fato ligada à outra. O desafio da vida complexa é meramente o desafio da oxigenação da atmosfera. A julgar pela coincidência no tempo, o desafio evolutivo, em si, é trivial.

A essa altura, você deve imaginar onde quero chegar. O trabalho sugere que, onde há vida simples e há fotossíntese produzindo oxigênio a ponto de ele se acumular na atmosfera, o surgimento da vida complexa parece ser uma consequência quase inevitável. A natureza, ao que tudo indica, privilegia a complexidade.

Se o trabalho, publicado na última edição da revista “Science”, estiver certo, temos aí uma grande chance de que muitos planetas espalhados pelo Universo também tenham vida animal. O surgimento de criaturas multicelulares complexas não parece mais ser um improvável acidente evolutivo, mas apenas o desfecho natural de um processo bioquímico relativamente simples. (Só para torturar você ainda mais, saiba que existem evidências de que a atmosfera de Marte chegou a ser altamente oxigenada em seu passado remoto, quando ele era ainda quente e úmido.)

Vida complexa, claro, não é garantia de vida inteligente. Mas trata-se de um passo essencial para chegar lá. (Eu, pelo menos, nunca vi uma bactéria inteligente. E o Doutor Bactéria não conta.)

Claro, uma coisa que não sabemos é por que teria levado tanto tempo para a Terra acumular oxigênio no ar. Ele é fabricado pela fotossíntese, uma invenção antiga implementada por bactérias mais de 3 bilhões de anos atrás. Os cientistas acreditam que o primeiro grande momento de oxigenação do ar se deu 2,3 bilhões de anos atrás, mas não teria perdurado. O que teria acontecido cerca de 800 milhões de anos atrás que levou a uma nova elevação do oxigênio, desta vez um caminho sem volta? Ninguém sabe ao certo.

De toda forma, fico só a imaginar quando, em coisa de uma década, os cientistas começarem a achar mundos fora do Sistema Solar com atmosferas ricas em oxigênio…

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