quarta-feira, 16 de abril de 2014

Crise de água potável

(Ulisses Capozzoli - Scientific American Brasil) Em um mundo com aproximadamente 75% de sua superfície coberta por oceanos, o que justifica a crise de abastecimento de água presente no noticiário de várias regiões e, neste momento, intimamente relacionada à megalópole de São Paulo?

Do 1,3 bilhão de km³ de água do planeta, pouco mais de 1% é representado pela água doce e isso já reduz significativamente a oferta potável, aquela utilizada para consumo humano, atividades industriais e consumo pela agropecuária mundial.

É verdade que os oceanos têm participação majoritária no chamado ciclo hidrológico, o processo que regula a circulação da água na superfície e atmosfera do planeta, responsável pela purificação de aproximadamente 11 mil km³ de água a cada ano.

E a carência de água potável está intimamente ligada a esse volume de água purificada pelo ciclo hidrológico, que só foi desvendado ao longo de séculos de investigação.

Aristóteles, que se ocupou de quase tudo que diz respeito ao conhecimento, especulou que as profundezas da Terra eram responsáveis por uma espécie de geração espontânea da água.

Ao longo do século 20 uma interação de campos que foi da hidrologia à cosmologia, passando pela evolução estelar, revelou que a água teve existência precoce no Universo.

Como nas demais áreas, também para a água, tudo começou com o Big Bang, a explosão da criação do Universo, segundo a cosmologia que tem esse nome.

Quase 400 mil anos após a explosão primordial, com a expansão e resfriamento do Universo, as partículas se acoplaram para formar os primeiros átomos e o volume maior desses elementos foi e ainda é representado pelo hidrogênio.

As primeiras estrelas foram bolas gigantescas de hidrogênio comprimidas gravitacionalmente para entrar em ignição nuclear e produzir o que hoje os astrofísicos chamam de síntese dos elementos químicos.

Numa fase relativamente curta, estrelas que “queimaram” hidrogênio e hélio deram origem ao oxigênio que, com o hidrogênio, forma a molécula H20, ou seja, uma molécula de água.

Assim, a água surgiu precocemente no Cosmos e ainda hoje fontes d´água estão localizadas em regiões como a enorme nebulosa de Órion, na constelação desse mesmo nome.

A nebulosa que há 5 bilhões de anos deu origem ao Sistema Solar era rica em água, segundo cientistas planetários consideram hoje. Dessa forma não seria surpreendente que a Terra reunisse parte desse estoque, ainda que o processo de formação de mundos seja complexo o suficiente para não permitir relações tão lineares.

Ainda no século passado ficou mais ou menos evidenciado que parte da água disponível na Terra chegou aqui no corpo de cometas que se chocaram com o planeta num bombardeio que há mais de 2 bilhões de anos foi intenso no Sistema Solar e que marcou, por exemplo, a superfície da Lua.

Na Terra, situada na chamada zona de habitabilidade do Sol, a água manifesta-se em seus três estados graças à chamada “ponte do hidrogênio”, que dá a esse elemento fundamental para a vida como conhecida, a capacidade de ser tanto vapor na atmosfera, líquida nas chuvas que se precipitam sobre a superfície e sólida, por exemplo, nas regiões polares.

Na Terra, a água está distribuída de forma bastante irregular, o que significa que algumas regiões são beneficiadas com esses recursos, enquanto outras se ressentem profundamente da escassez deles.

O Brasil dispõe de algo como 14% dos estoques de água doce do planeta, uma riqueza natural cada vez mais valorizada. A questão é que a maior parte deste volume está na região amazônica, distante da principal área de consumo, no Sudeste do país.

Estratégias nem sempre bem articuladas, perdas nas redes de distribuição e ausência de recuperação adequada de águas já utilizadas comprometem boa parte da oferta disponível neste momento em uma megalópole como São Paulo.

Assim, o equilíbrio entre oferta e demanda de água passa por um complexo sistema interativo, exigindo cuidados frequentes em termos de infraestrutura, previsões a mais longo prazo, educação para consumo equilibrado e outras questões estratégicas que nem sempre são devidamente consideradas.

Em 10 de novembro de 1980 as Nações Unidas criaram a década da água potável para sensibilizar administradores públicos em particular, e a sociedade humana em seu conjunto, para a importância de cuidados essenciais com a água.

Mas há um quarto de século atrás questões como essa pareciam, a muitos, apenas previsões pessimistas para o futuro.

Mas na nova década da água, de 2005 a 2015, o que parecia pura ficção é perturbadoramente real.

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