sexta-feira, 21 de março de 2014

Investigadores vão reconstruir o clima português dos últimos 500 anos

Projecto inédito em Portugal poderá ajudar a prever futuro do clima


(Ciência Hoje - Portugal) Historiadores, biólogos, geógrafos e físicos vão apresentar na segunda-feira a história e as curiosidades do clima português, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, numa iniciativa conjunta do Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB) e da Universidade de Lisboa (UL).

“É o primeiro projeto semelhante em Portugal. Vai promover o estudo multidisciplinar do clima dos últimos cinco séculos, uma vez que não existe muita documentação. Esperamos vir a compreender melhor determinadas dinâmicas sociais ligadas a eventos climáticos extremos e tirar lições para o futuro”, sintetiza o coorganizador e investigador do CITAB, João Santos.

Uma tendência actual, e já evidenciada pelos registos climáticos, é o aumento da mortalidade no Verão, com um pico de óbitos, nos anos em que há registo de secas.

Para a investigadora da UL responsável pelo projeto, Maria João Alcoforado, é importante perceber se “os serviços de saúde de prevenção devem melhorar, embora não sejam maus, se as pessoas se poderão adaptar ou se poderemos vir a registar mais óbitos no Verão, caso as vagas de calor se vierem a multiplicar, como há alguns estudos que suportam.”

As previsões meteorológicas datam da segunda metade do séc. XX, no pós II Guerra Mundial, com o surgimento dos computadores.

A reconstrução do clima baseia-se por isso em dados instrumentais (recolhidos através de equipamentos), documentação de época, análise dos anéis de crescimento das árvores e furos geotérmicos.

Para obter dados do clima relativos ao século XIX, os investigadores do CITAB e da UL vão basear-se nos diários de Miguel Franzini, cientista e observador italiano, complementando a informação com os registos dos instrumentos meteorológicos da época.

Uma das observações mais “interessantes” do investigador italiano, revela Maria João Alcoforado, foi a contra corrente da mortalidade registada em Lisboa, que atingia picos no Verão, enquanto no resto da Europa havia mais óbitos no Inverno.

“Franzini estava em contacto com um médico que queria perceber a causa da mortalidade dos seres humanos e as observações do clima começaram por preocupações de saúde”, explica.

A responsável esclarece que na origem deste desequilíbrio, estavam “problemas de falta de higiene, falhas na conservação dos alimentos e os pântanos que existiam nos arredores da capital. Já nos outros países europeus, havia mais óbitos no Inverno, devido ao frio, chuvas e tempestades, típicas da estação, e às melhores condições de vida das populações.”

Já para recuar até aos sécs. XVI-XVIII, os cientistas vão analisar os registos de imprensa, procissões, rogatórias (pedidos de chuva ou sol), e os arquivos de Sés e igrejas.

“Na época já havia jornais que possuíam colunas meteorológicas, com o estado actual do tempo e como estava a evoluir, mas não havia previsões”, clarifica João Santos.

As informações anteriores a 1850 vão ser obtidas através da medição não invasiva dos anéis de árvores centenárias – um método inovador desenvolvido no CITAB - e de furos geotérmicos, que consistem em perfurações no solo com centenas de metros de profundidade, que registam a temperatura, à medida que as ondas térmicas se vão propagando em direção ao centro da Terra.

A Climatologia Histórica é uma área emergente, que surgiu nos últimos 30 anos e abrange a biologia, a física, a geografia e a geologia, além da história e do clima.

O Workshop da próxima segunda-feira vai contar com as intervenções de especialistas de renome na área como Eduardo Zorita, do Centro de Investigação Costeira, (Helmholtz-Zentrum Geesthacht) e Joaquim Pinto, da Universidade de Reading (Reino Unido) e destina-se a estudantes, investigadores, professores e potenciais interessados.

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