quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Fenômeno dos sumidouros ameaça o mais famoso lago de Israel

Formação de 200 crateras por ano revela as ‘cicatrizes’ do Mar Morto



(O Globo) Imagine estar andando e, de repente, uma cratera se abre no chão, e engole quem está por perto. Não, não é um cenário de filme de horror. É uma realidade cada vez mais constante na costa do Mar Morto, o famoso lago extremamente salgado localizado no ponto mais baixo do planeta, cerca de 400 metros abaixo do nível do mar. Os fossos repentinos, espécies de cicatrizes chamadas de sumidouros ou dolinas pelos geólogos, começaram a ser detectados na década de 80 em meio à diminuição visível da área do lago. Mas o ritmo do fenômeno preocupa os especialistas e as autoridades. Estudos dão conta de que 200 crateras são criadas por ano, mas há quem garanta: a cada dia, aparece mais um buraco.

É impossível contar todos, mas estima-se que existam entre 3 mil e 4 mil sumidouros, atualmente, às margens do Mar Morto, que marca parte da fronteira entre Israel e Jordânia. O maior já registrado chegou a uma profundidade de 40 metros, com circunferência de 25. As dolinas se multiplicaram por causa do declínio dramático do nível das águas, nas últimas décadas, fruto de um fenômeno natural acentuado pela ação humana. O lago tem encolhido um metro a cada ano devido às secas constantes, associadas ao aquecimento global. Mas o desvio das águas vindas de seu principal afluente, o Rio Jordão, para uso agrícola e de cidades próximas, além das piscinas para criação de peixes e extração de minerais localizadas em suas margens, pioraram a situação.

— Ao que tudo indica, é impossível impedir o fenômeno dos sumidouros, que começou há décadas, mas agora se acelera — afirma o geólogo Rani Calvo, do Instituto de Geologia de Israel. — Nós sugerimos às pessoas não se aproximarem da costa, a não ser em locais conhecidos. Há locais onde as pessoas podem cair em crateras já existentes e onde podem desmoronar junto com novos buracos que se abram sem aviso.

Rivalidade é entrave
No Mar Morto, o nível de salinidade é de 33,7% — nove vezes mais do que nos oceanos do mundo, tornando a vida aquática por lá impossível. Na Bíblia, a salinidade é citada na passagem em que a mulher de Lot vira uma estátua de sal ao desafiar as ordens de Deus e olhar para trás para testemunhar a destruição de Sodoma e Gomorra. Mas a Bíblia não comenta a existência de crateras, bem como historiadores que circularam pela Terra Santa nos últimos 2 mil anos.

Os sumidouros são, portanto, um fenômeno recente. Eles surgiram devido ao fim do sensível equilíbrio entre água salgada e doce que mantém o lago vivo. Com menos quantidade de água salgada na bacia, a água fresca vinda do Rio Jordão está corroendo as camadas subterrâneas de sal acumuladas por milênios na costa. Aos poucos, um vácuo é criado embaixo da terra, que pode ceder a qualquer momento. Para os mais pessimistas, o ponto turístico disputado pode até mesmo desaparecer até 2050. Dalia Tal, diretora da ONG Zalul, que luta pela qualidade das águas dos rios e lagos de Israel, é mais otimista.

— O Mar Morto está secando, mas ele não vai acabar. Vai encolher muito e ficar ainda mais salgado e pequeno do que é hoje — acredita Tal.

O Mar Morto é um lago que fica no final do Rio Jordão. Ele foi criado pela fricção de duas placas tectônicas que formam a chamada Fenda Sírio-Africana, uma espécie de rachadura enorme responsável, também, por terremotos na região. Quando a fenda foi criada, água salgada entrou pela fissura.

Há cerca de 18 mil anos, a ligação com o Mar Mediterrâneo secou e a água salgada, sem ter para onde escoar, ficou depositada numa enorme bacia. Com o tempo, o lago diminuiu com a evaporação da água e se transformou no Mar Morto.

Mas ele continua diminuindo. Perdeu um terço de sua superfície só nos últimos 50 anos. De 80 km de extensão, hoje tem apenas 67 km. A largura caiu de 18 km para 16 km. Segundo especialistas, o processo foi acentuado pela ação humana.

— A intervenção humana é que está matando o Mar Morto — garante Alon Tal, professor do Departamento de Ecologia do Deserto na Universidade Ben Gurion, em Beer Sheva. — Serão precisas medidas extraordinárias para salvá-lo, incluindo uma intervenção inteligente e cooperação regional.

Há alguns planos para evitar a multiplicação de sumidouros. O principal deles é a construção de um canal que ligaria o lago ao Mar Vermelho, uma ideia que existe há mais de um século e que foi retomada em 2002, com apoio do Banco Mundial. O custo — mais de US$ 15 bilhões — dificulta o projeto. Mas o que o inviabiliza mesmo é a falta de cooperação regional na Terra Santa e arredores.
A rivalidade entre israelenses, palestinos e jordanianos — que disputam centímetros do lago — quase complicou, por exemplo, a candidatura do Mar Morto na votação das “Novas sete maravilhas da natureza”, em 2011. Um imenso esforço diplomático teve que ser realizado para a apresentação da candidatura, que precisou ser feita em conjunto pelos três governos. No final das contas, o Mar Morto ficou fora da lista.

Até hoje, ninguém morreu ao cair nas crateras. Mas trata-se de uma bomba-relógio. Muitos já se machucaram. O caso mais famoso, do lado israelense, é o do veterano geólogo Eli Raz. Há cerca de dez anos, ele fazia uma inspeção no lago salgado quando ouviu um estrondo. Antes de se dar conta do que estava acontecendo, Raz, de 70 anos, foi engolido por um sumidouro gigante.

— Caí dentro, e fui desmoronando cada vez mais para baixo. Pensei que seria enterrado vivo — contou Raz ao site americano “Moment Magazine”.

Raz conseguiu se salvar, mas ele não tem dúvida de que algo urgente precisa ser feito para parar o fenômeno.

— Os sumidouros são causados pela irresponsabilidade humana — disse ao site “Slate”. — Por mais de 30 anos estive estudando-os e tentando avisar a todos, especialmente os funcionários de governo que, se não fizermos alguma coisa sobre a situação no Mar Morto, os buracos vão nos engolir.

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