quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O termômetro e o relógio



(Teoria de Tudo - Folha) UM RELATÓRIO CIENTÍFICO encomendado pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) produziu a melhor imagem que conheço para mostrar o descompasso das diplomacia mundial com a urgência imposta pelo aquecimento global. As cores mostram como diferentes cenários de aumento de temperatura no fim do século se relacionam com diferentes padrões de emissão de gases do efeito estufa.

O estudo que produziu o gráfico tem dois anos, já, mas a imagem continua sendo válida, mesmo após dois anos de negociações na Convenção do Clima da ONU. Quem esperava que esse cenário fosse mudar a partir de anteontem, ao fim da conferência do clima de Doha, no Qatar, acabou se frustrando.

No gráfico, a trilha amarela (que prevê um aumento de menos de 2°C na temperatura média do planeta) é a única considerada aceitável pelos cientistas, que adotam esse valor como limite arbitrário para prevenir uma interferência “perigosa” no clima.

O pequeno retângulo no meio do gráfico mostra como o cenários se correlacionam com as diferentes propostas de redução de emissões (até 2020). Nota-se que a figura não cobre a faixa verde, a meta recomendada pelos cientistas, e nem a amarela, que projeta um aumento de temperatura menos maligno no fim do século, de 2,5°C. Quem esperava que a conferência de Doha fosse mover o retângulo um pouco para baixo, não viu isso acontecer.

Desde 2009, quando a comunidade mundial falhou em sua tentativa de produzir um acordo eficaz para fixar metas de redução na emissão de gases causadores do efeito estufa, o teatro do embaço nas negociações climáticas vem se repetindo, abrindo exceção apenas para alguns soluços de avanço.

A cena se repete a cada ano. Enquanto representantes diplomáticos viram as madrugadas para produzir acordos inócuos, jornalistas se desdobram para estender a cobertura de um evento que termina sem notícia relevante. Ao fim, ambientalistas se debruçam sobre o documento final para tentar enxergar algum sinal de progresso.

Em Doha, aquilo que se vendeu como boa notícia foi a prorrogação do Protocolo de Kyoto, o acordo firmado em 1997 que previa a redução de 5% das emissões dos países industrializados até 2012 (em relação às emissões de 1990). A morte de Kyoto certamente não seria boa notícia, mas sua sobrevivência até 2020 também não sinaliza grande avanço.

No início desta década, já estava bem claro para os cientistas que os esforços previstos por Kyoto são um infinitésimo da redução necessária. Além disso, Kyoto adotou uma fórmula que não deve funcionar no próximo acordo do clima. Ao separar países entre vilões e vítimas do aquecimento global e exigir cortes de emissões apenas dos primeiros, Kyoto afugentou os Estados Unidos da negociação e fez piorar um acordo cuja dimensão já era pífia. Hoje ele serve mais como uma mensagem política por parte dos países preocupados com a mudança climática. Marcar posição, porém, não será suficiente.

A conferência de Doha ocorreu um ano após a de Durban, que terminara com uma declaração relativamente otimista, na qual países fixavam 2015 como o ano limite para terminar a redação de um acordo “legalmente vinculante” para reduzir emissões. Diante dessa perspectiva, esperava-se que, pelo menos, Doha terminasse com o avanço incremental necessário para essa agenda ser cumprida. Não mostrou.

Para evitar o impasse incontornável que se desenharia caso um novo acordo nos moldes de Kyoto volte à mesa de negociação, é preciso que haja um mecanismo para financiar a redução de emissões em países em desenvolvimento. Sobre isso, há um certo consenso. Um avanço que algumas pessoas viram em Doha foi o compromisso de nações desenvolvidas de atingirem repasses de US$ 100 bilhões por ano a países mais pobres até 2020. Quem esperava ver a criação de mecanismos para esse dinheiro fluir, porém, não viu.

Grande parte do impasse se deve a vícios impostos pelo procedimento de negociação adotado na ONU, claro, mas convém dar nomes aos bois. Os EUA, de novo, se esquivaram da obrigação moral que têm de liderar a discussão. Com o Congresso Americano atolado em discussões de política doméstica (desta vez, o abismo fiscal no orçamento do governo), Barack Obama se recusou a gastar capital político para tratar da questão do clima. É improvável que o processo ande nas convenções do clima sem uma ação americana, porque só os EUA seriam capazes de fazer a China se mover.

Em 2009, a desculpa dos EUA para travar a conferência de Copenhague era o debate doméstico sobre a política de assistência à saúde. Depois disso, Obama vem exibindo uma pequena disposição voluntária de atacar o problema, mas sem assumir uma meta internacionalmente a ação ainda é tímida. Há quem acredite que agora as desculpas se esgotaram, e Obama começará a se mover, conforme prometeu. Alguns analistas americanos dizem até mesmo que um imposto sobre o carbono seria uma forma de atacar ao mesmo tempo o abismo fiscal e a alta emissão de CO2 no país.

Se Obama não quiser ser lembrado como um presidente que comprometeu a última oportunidade para um acordo do clima decente, precisa agir rapidamente. Caso as negociações não se acelerem, o que vai acontecer no gráfico do Pnuma é que a faixa verde vai começar a ficar cada vez mais magra, até sumir dentro de menos de uma década. Se a meta global é impedir que o planeta se aqueça em mais de 2°C até 2100, os grandes emissores não podem esperar até 2099 para tomar uma atitude.

Nenhum comentário:

Postar um comentário