segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Volume de gelo no Ártico nunca foi tão baixo



(Folha) São duas da tarde em algum ponto do mar de Barents, a 81 graus de latitude, meros 970 km do polo Norte.

No passadiço do navio Arctic Sunrise, o imediato canadense Paul Ruzicky olha desanimado para as placas de gelo em volta. "Isso tudo é gelo de primeiro ano. Pensamos que iríamos achá-la ontem, mas não achamos nada."

O que o imediato buscava era uma placa de gelo marinho grande e estável, onde o Arctic pudesse atracar para que o artista plástico americano John Quigley fizesse uma escultura, em protesto contra a mudança climática.

Mas a própria mudança climática frustrou o protesto: no segundo dia de navegação pelo oceano Ártico, o pequeno quebra-gelo (de 64 m) da ONG Greenpeace só havia encontrado placas pequenas de gelo fino, formado no último inverno.

A maioria delas deve derreter nas próximas duas ou três semanas, quando o verão começa a ir embora.

A banquisa do Ártico, a capa de oceano permanentemente congelado que recobre o polo Norte, está cada vez mais difícil de encontrar durante o verão boreal, mesmo para quem navega a menos de nove graus de latitude do polo (que está a 90º Norte).

O gelo marinho, neste momento, está em sua segunda menor extensão já registrada: 5,56 milhões de km2, medidos com o auxílio de satélites no dia 14 de agosto, apenas 220 mil km2 acima da baixa recorde de 2007.

A lendária passagem Noroeste, que liga a Europa à Ásia através das ilhas do Ártico canadense --e que em 2007 ficou livre de gelo pela primeira vez--, abriu completamente seu braço norte (mais profundo e, portanto, mais seguro para a navegação) na semana passada.

"O braço sul tem estado aberto todo verão desde 2007, mas o norte só havia aberto em 2007 e 2010", disse à Folha Mark Serreze, diretor do NSIDC (Centro Nacional de Dados de Gelo e Neve) dos EUA, que publica as medições do gelo ártico.

TRÊS DIMENSÕES
O volume do gelo, porém, já é o mais baixo registrado na história. Segundo dados da Universidade de Washington (EUA), em julho de 2011 o volume ficou 51% menor do que a média e 62% menor do que a máxima, estimada para 1979.

O volume é uma medida mais importante do que a extensão para prever o colapso do gelo no polo Norte. Isso porque ele informa não só a área de cobertura de gelo, mas sua espessura também.

O chamado gelo permanente (resultado de três ou mais anos de acúmulo) tem diminuído no polo, deixando gelo fino --e mais propenso a derreter-- no seu lugar a cada inverno.

"Somos todos obcecados pela extensão, mas ninguém fala de espessura", diz a geógrafa sueca Frida Bengtsson, da campanha de oceanos do Greenpeace.

O problema é que o volume não pode ser medido diretamente com satélites, só estimado com a ajuda de modelos de computador.
Para calibrar e validar os modelos, os cientistas têm feito duas coisas: sobrevoado o oceano Ártico com radares, como a Nasa faz, e perfurado o gelo marinho com brocas para medir a espessura.

Dois pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, embarcam no fim desta semana no Arctic Sunrise para fazer exatamente essas medições.

PREVISÕES
Os resultados do trabalho deverão compor uma base de dados de espessura de gelo marinho que, por sua vez, ajudará a aperfeiçoar os modelos que embasam os cenários do IPCC, o painel do clima nas Nações Unidas.

O IPCC estimou, em 2007, que, se o ritmo de degelo continuar, o polo Norte ficará totalmente descongelado no verão no fim do século.

Porém, desde então, o derretimento do gelo tem sido muito mais radical do que as previsões dos cientistas, o que levou alguns a estimarem que o polo poderia derreter inteiro no verão já por volta de 2050.

Nenhum comentário:

Postar um comentário