segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Antártida pode ter sido um paraíso tropical há 34 milhões de anos

Há cerca de 34 milhões de anos: imagem criada pelos cientistas ingleses mostra como seria a Antártida de então, com árvores, samambaias e rica vegetação rasteira

(Correio Braziliense) Nem sempre o continente antártico foi uma terra coberta de gelo e neve. Pelo contrário: a região passou a maior parte dos últimos 100 milhões de anos recoberta de florestas e bosques exuberantes, habitados por uma grande diversidade de animais que desfrutavam de um clima ameno, semelhante ao dos trópicos atuais. Esse cenário foi descrito recentemente por uma equipe de cientistas britânicos. Para chegar a essa afirmação, o grupo do Centro de Ciência Polar, da Universidade de Leeds, na Inglaterra, passou cerca de 10 anos estudando rochas com fósseis de plantas, folhas, madeira e pólen coletados das profundezas das camadas de gelo, que chegam a 4km de espessura.

Segundo Jane Francis, paleoclimatologista e coordenadora da equipe de pesquisa, as plantas fósseis encontradas são semelhantes aos tipos que vivem hoje nas florestas tropicais perto da linha do equador e nas florestas temperadas da Patagônia e Nova Zelândia. “São evidências que, somadas a outros estudos em fósseis de animais, demonstram que a Antártida foi uma espécie de paraíso tropical.”

A possibilidade de tal cenário ganha fôlego quando se acrescenta a informação gerada por pesquisas geológicas de que, há 65 milhões de anos, a Antártida era conectada à Austrália e à Nova Guiné. A separação se deu há 40 milhões de anos. “Com isso, acreditamos que, há cerca de 34 milhões de anos, um passado considerado recente, ainda havia florestas no continente antártico. Portanto, na maior parte da história da Antártida, ela teve seu clima quente ”, aponta Jane.

A cientista afirma ainda que a principal causa do clima mais ameno no passado da região teriam sido os elevados índices de dióxido de carbono na atmosfera, provenientes de vulcões em permanente atividade. As correntes oceânicas também eram atingidas pelas erupções, aquecendo os mares e a terra. “Mesmo nessa época, o clima deve ter sido muito mais quente no restante do globo, já que a porção da Antártida ficava mais ao sul do planeta”, coloca a paleoclimatologista inglesa.

De acordo com os cientistas, há 50 milhões de anos havia mais de mil partes por milhão (ppm) de dióxido de carbono na atmosfera, o que esquentou o planeta a ponto de derreter todas as camadas de gelo. Nos últimos anos, a quantidade do composto na atmosfera apresentou um aumento, passando de 280ppm registradas na era pré-industrial para 390ppm no presente, o que aumentou em um grau as temperaturas globais. Com 500ppm, já é possível observar o derretimento evidente de uma grande parte das calotas polares.

As conclusões das análises do grupo britânico, aliadas às medições realizadas mais recentemente levam a crer que uma Antártida tropical possa voltar a existir num futuro próximo. “A diferença é que, no passado, o aquecimento ocorreu devido a causas naturais, que eram os vulcões, em um período muito grande de tempo, no qual animais e plantas tiveram tempo de se adaptar”, compara Jane. “O problema com a mudança climática atual, que está sendo provocada principalmente por fatores humanos, é que está ocorrendo muito depressa, em comparação a como poderia ocorrer em um período geológico normal. Por isso, não vamos ter muitas oportunidades para nos adaptar”, prevê a pesquisadora.

Refrigerador do planeta
Localizada no extremo sul do globo terrestre, a região antártica desempenha um papel fundamental no equilíbrio da Terra, principalmente no que diz respeito à dinâmica atmosférica e climática. A paisagem branca, inóspita e gelada da região esconde verdadeiros arquivos sobre a variabilidade ambiental e climática do planeta. Por baixo de 14 mil km² do manto de gelo que recobre o continente, encontram-se testemunhos sobre a química atmosférica ao longo do tempo. Por isso são tão importantes estudos na região.

Segundo David Brook, climatologista que faz parte da equipe de Jane Francis, as informações extraídas dos fósseis são espécies de documentos. “Esses materiais são a chave necessária para explicar como ocorreram as interações biogeoquímicas entre diferentes componentes do sistema terrestre, principalmente da biosfera terrestre, a atmosfera e o ciclo do carbono”, explica. Brook acrescenta que essas análises podem ajudar na criação de simulações sobre o aquecimento global atual, de acordo com as medidas recentes. “Esses fósseis permitem estudar o passado e simular o futuro.”

Para o geólogo e coordenador do Centro de Pesquisas da Antártida (CPA/USP), Antônio Carlos Rocha Campos, estudos realizados na Antártida são importantes no entendimento da dinâmica climática do planeta. “Há fenômenos importantes ocorrendo por lá, que interferem nos continentes mais próximos”, informa. Isso porque a situação na Antártida repercute nos oceanos e na atmosfera. “Ele é o grande refrigerador da Terra. Há muita informação coberta pelo gelo que precisa ser revelada”, diz o geólogo.

Para a cientista da Universidade de Leeds, os esforços para se estudar mais o continente gelado deveriam ser maiores, sobretudo na busca por informações que possam mostrar como a fauna, a flora e a própria geologia da região se comportaram durante mudanças climáticas e como se adaptaram a elas.

Vencer o clima
Atualmente, são 40 países estudando a Antártida. O maior desafio, segundo Rocha Campos, é vencer as barreiras naturais da região, onde só é possível expedições de dois meses, no verão antártico de -35ºC. “São necessários tecnologia de ponta e muito dinheiro para pesquisar nessas condições”, coloca o geólogo.

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