(Correio Braziliense) Nos últimos 30 anos, com o declínio da cobertura de neve e gelo na superfície da Terra, diminuiu também a capacidade de o planeta refletir a luz do Sol, mandando parte da radiação de volta ao espaço. Com isso, pode-se esperar um nível de aquecimento global muito maior do que o previsto mesmo pelos mais drásticos modelos climáticos. É o que defende um grupo de pesquisadores que, a partir de dados obtidos por satélite, estudou os efeitos do derretimento do Mar Ártico na temperatura.
A pesquisa, publicada na edição on-line da revista especializada Nature Geoscience, concentrou-se no feedback do albedo — a habilidade da porção da Terra que contém água em forma sólida, como gelo, neve e calotas polares, de refletir os raios solares e mandar parte do calor de volta para o espaço. Essas regiões congeladas formam a chamada criosfera, uma peça-chave para o termostato natural do planeta. Como tem uma condutividade térmica baixa, o gelo funciona como isolante, reduzindo a quantidade de calor trocada entre a Terra e a atmosfera. Com menos camadas congeladas, o oceano fica mais exposto à luz do Sol, absorvendo e irradiando mais calor.
Os cientistas das universidades americanas de Michigan e Oregon descobriram que o resfriamento da criosfera vem diminuindo desde 1979, ao mesmo tempo em que decresce a cobertura de neve na terra e de gelo nos oceanos. De acordo com o estudo, é uma queda “substancialmente maior que as estimativas obtidas por 18 modelos climáticos”, incluindo as predições do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, o IPCC.
“Atualmente, a criosfera não se resfria como há 30 anos, e as simulações não têm reproduzido esse efeito”, diz ao Correio a pesquisadora da Universidade do Estado de Oregon Karen Shell. Cientista atmosférica e coautora do estudo, Karen diz que, embora não se possa, necessariamente, atribuir o fenômeno ao aquecimento global provocado pelo homem, o efeito do menor resfriamento da criosfera vai provocar o aumento da temperatura do planeta.
Com base em dados coletados pelo National Snow and Ice Data Center, dos Estados Unidos, e da Agência Espacial Americana (Nasa), entre outras fontes oficiais, os cientistas analisaram a média de energia refletida pela criosfera entre 1979 e 2008. Atualmente, o gelo e a neve do Ártico, incluindo a Groenlândia, refletem 3,3 watts por metro quadrado — 0,45 watts por metro quadrado a menos em comparação com 1979. Segundo os pesquisadores, para cada 1ºC a mais, a energia refletida cai entre 0,3 e 1,1 watts. No período analisado — 30 anos —, a região aqueceu 0,75ºC.
Efeito cascata
À medida que a área fica mais quente, perde-se mais gelo e neve e, como em um efeito cascata, é maior a probabilidade de as temperaturas subirem, como consequência. “Isso significa que a criosfera está respondendo ao aquecimento e levando ao aumento da temperatura, de forma mais grave do que previamente pensávamos”, afirma ao Correio o pesquisador da Universidade de Michigan Mark Flanner, também coautor do estudo.
Ele afirma que não é possível, porém, dizer exatamente quão quente o planeta ficará por causa do fenômeno. “Se a Terra fosse uma rocha estática, poderíamos calcular precisamente o nível de aquecimento. Mas nossa análise das mudanças na cobertura de neve e gelo nos últimos 30 anos indicam que o feedback da criosfera é quase duas vezes mais forte do que os modelos anteriores sustentavam. A implicação é que o clima do planeta pode ser mais sensível ao aumento, na atmosfera, das emissões de dióxido de carbono do que os modelos climáticos predizem”, afirma Flanner.
Segundo Karen Shell, parte do declínio no resfriamento da criosfera pode ser atribuído à variação natural do clima. “Trinta anos não é um período de tempo tão longo para se atribuir o fenômeno totalmente à influência antropogênica”, pondera. “Mas a perda do resfriamento é significativa. A taxa de energia que vem sendo absorvida pela Terra, em vez de ser refletida de volta à atmosfera, é quase 30% da taxa de absorção extra de energia provocada pelo aumento das emissões de carbono entre a época pré-industrial e o presente”, diz.
Embora localizado geograficamente no Hemisfério Norte, o Mar Ártico é essencial para o equilíbrio energético de todo o planeta. De acordo com Flanner, em uma escala global, a Terra absorve energia solar em uma taxa de 240 watts por metro quadrado ao longo do ano. “O planeta seria mais escuro e absorveria 3,3 watts a mais sem a criosfera do Hemisfério Norte”, exemplifica.
Aumento do fluxo de embarcações é ameaça
Se a equipe de cientistas que analisou o feedback do albedo na edição da Nature Geoscience atribui com parcimônia as mudanças climáticas e estruturais no Hemisfério Norte à ação do homem, o professor de ciências marinhas da universidade americana de Delawere James J. Corbett não tem dúvidas de que o homem está por trás do fenômeno. Ele é um dos maiores especialistas no assunto e autor de um estudo publicado no fim do ano passado na revista especializada Atmospheric Chemistry and Physics, no qual faz um alerta preocupante. À medida que as capas de gelo aquecem, uma nova rota comercial será estabelecida no Ártico, com repercussões significativas para o clima.
Corbett e seus colegas estudam o tráfego marítimo na região e as consequências ambientais da poluição gerada pelos navios, que usam diesel em seus tanques. Segundo ele, o combustível fóssil das embarcações pode aumentar as temperaturas entre 17% e 78%. “Os navios que operam próximo ao Ártico usam um tipo de diesel que libera carbono preto em uma das regiões mais sensíveis às mudanças climáticas”, diz. Produzidas pelos navios a partir da queima incompleta do combustível marítimo, essas pequenas partículas de carbono agem como “aquecedoras” porque absorvem a luz do Sol — tanto diretamente do astro quanto aquela refletida a partir da superfície da neve ou do gelo.
Cenários
Para entender melhor o impacto em potencial do carbono preto e de outros poluentes dos navios no clima (incluindo o dióxido de carbono, o metano e o ozônio), o grupo de pesquisadores produziu cenários amplos — áreas de cinco quilômetros quadrados — e desenvolveu modelos baseados nas projeções do aumento da frota na região. De acordo com Corbett, por volta de 2030, 4,5 gigatoneladas de carbono preto lançadas pelas embarcações do Ártico podem aumentar o aquecimento global vinculado às emissões de CO2 dos navios (42 mil gigagramas) em até 78%. Estima-se que, em duas décadas, as rotas no Ártico representem 2% do tráfego mundial e, em 2050, chegue a 5%.
Mas o cientista destaca que, com políticas ambientais de redução de danos e investimento em novas tecnologias, como um equipamento submarino que absorva o dióxido sulfúrico emitido durante a queima do combustível, é possível reverter os cenários pessimistas. Com controle, Corbett afirma que a quantidade de carbono preto lançada pelos navios pode cair pela metade em 2030. “Nossa esperança é que pesquisas como essa possam melhorar a comunicação entre a ciência emergente (o estudo das mudanças climáticas) e os responsáveis por elaborar políticas públicas, de formas a ajudar o Ártico”, diz. (PO)
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