quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Especialistas da USP e de Harvard isolam partículas do ar mais puro do mundo na Amazônia

(O Globo) Para tentar entender como era o clima do planeta antes da Revolução Industrial, ou seja, antes de haver poluição em larga escala, especialistas da Universidade de São Paulo e da Universidade de Harvard foram buscar pelo ar mais puro que pudessem encontrar. E o acharam sobre a Floresta Amazônica. Esta verdadeira arqueologia do ar revelou dados inéditos, cruciais para a compreensão da formação das nuvens e, consequentemente, das alterações climáticas.

- Para fazer previsões sobre o clima do planeta no futuro é fundamental entendermos o clima presente e o passado - explicou Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), coordenador do estudo. - A Amazônia é uma das poucas regiões no planeta (a outra é a Antártica) onde ainda se consegue encontrar condições de composição atmosférica similares às existentes antes da Revolução Industrial, ou seja, antes de a poluição tomar conta da composição atmosférica do planeta.

Pistas sobre as mudanças no clima
O objetivo do estudo era entender como funcionavam os mecanismos de formação de nuvens numa atmosfera sem poluentes.

- Isso é importante para sabermos, afinal, se a temperatura da Amazônia aumentar com o aquecimento global, como vai ser a condição da atmosfera do ponto de vista na formação das nuvens e da precipitação - explicou o pesquisador.

Os especialistas conseguiram isolar, pela primeira vez, aerossóis (partículas sólidas ou líquidas suspensas na atmosfera) em condições pristinas. Na Bacia do Amazonas, ao norte de Manaus, eles analisaram as partículas formadas no ecossistema da floresta tropical, livres de qualquer influência antropogênica.

Trabalhando com uma torre de 40 metros de altura e equipamentos extremamente sofisticados, os cientistas conseguiram determinar que, sobre a floresta, a concentração de partículas é de 200 a 300 por centí$cúbico. Para se ter uma ideia, em regiões de grandes cidades industrializadas, este número é de dezenas de milhares.

Partículas são essenciais para a formação de nuvens. É ao redor delas que núcleos começam a se agrupar para dar origem a nuvens. Sobre as grandes cidades, muitas vezes, nuvens se formam a partir de partículas de poluição. Quando não há poluição, caso da Amazônia, as partículas existentes são formadas essencialmente na atmosfera.

- Acreditava-se, até a realização desta pesquisa, que a própria floresta emitia essas partículas primárias - afirmou Artaxo. - Descobrimos que não é assim, que se trata de uma formação secundária de partículas, a partir de compostos gasosos emitidos pela vegetação.

E o que acontece se a floresta sumir ou virar pasto?

- A pastagem não emite esses compostos orgânicos voláteis - responde o cientista. - Está demonstrado que, se trocarmos a vegetação por pastagem definitivamente, cortamos um dos mecanismos mais importantes de formação de nuvens da Amazônia. Isso é importante para entender quais processos regulam o funcionamento de um ecossistema como a Amazônia.

No caso de a floresta ser mantida, com a elevação de temperatura média prevista pelos modelos sobre o aquecimento do planeta, há também um impacto, como explica Artaxo:

- A taxa de conversão desses gases (emitidos pela vegetação) em partículas aumenta com a elevação de temperatura, se a floresta for mantida - afirma. - Se a floresta não for devastada, a concentração de partículas deve aumentar. Isso quer dizer que mais nuvens vão se formar.

Não significa, necessariamente, mais chuva, que depende do fluxo de vapor d'água. Mas ajuda a resfriar a Terra, porque, como é branca, reflete radiação de volta ao espaço - um mecanismo que ajudaria a equilibrar a temperatura na Amazônia.

Os resultados do estudo, publicado na "Science", serão incorporados a modelos para prever o futuro climático na Amazônia.

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