quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pesquisadores da UnB e da USP encontram evidências de que um grande oceano existiu onde hoje fica o Planalto Central


(Correio Braziliense) Há 900 milhões de anos, um oceano com as dimensões do Atlântico pairava sobre o lugar que hoje conhecemos como Planalto Central. A conclusão é de um estudo conduzido pelo Laboratório de Geocronologia da UnB, em parceria com os institutos de Geociências (IG) e Astronômico e Geofísico (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). Os cientistas se debruçaram sobre amostras extraídas da chamada Faixa Brasília, conjunto de rochas sedimentares de mar profundo que datam do período Neoproterozoico — entre 1 bilhão e 600 milhões de anos atrás. O estudo do material ajuda a contar a história de como era a região muito antes de o primeiro dinossauro existir e quando os continentes(1) ainda não haviam sido formados.

De acordo com o geólogo da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do estudo, Reinhardt Fuck, a maior prova de que haviaum oceano no Brasil Central são vestígios de um arco de ilhas vulcânicas — semelhantes às ilhas que compõem o arquipélago do Japão. “Arcos como esses correspondem a ilhas existentes no meio de um oceano”, afirma.

Esse extinto e pré-histórico oceano é chamado de Brasilides ou Goyaz (em referência à antiga tribo indígena que nomeou também o estado de Goiás). Outra prova de sua existência são as rochas encontradas nas cidades mineiras de Ibiá e Araxá. Segundo o especialista, elas foram depositadas em ambientes mais afastados da antiga margem continental — o cráton(2) do São Francisco —, ou seja, em mar profundo.

O grande diferencial do estudo conduzido pela UnB e pela USP é a coleta de informações sobre as características das camadas mais profundas da crosta na região. Para isso, foi utilizada uma técnica conhecida como refração sísmica profunda, que possibilitou a obtenção de dados das formações rochosas que constituem a crosta em profundidades jamais observadas no Brasil.

“Até a conclusão desse estudo, tinha-se conhecimento apenas da geologia de superfície, com a ajuda de sondagens que chegavam a uma profundidade máxima de 5km”, explica o geólogo UnB. O trabalho resultou em um mapeamento da estruturação e das propriedades das rochas em profundidade superior a 40km. “Isso proporciona melhor entendimento de determinadas formações minerais e dados para a exploração de minérios”, informa Renato Moraes, professor do Departamento de Minerologia e Geotectônicas da USP. Em outras palavras, as informações poderão ajudar mineradoras na localização de jazidas.

A pesquisa englobou os estados de Goiás, Mato Grosso e Tocantins, além do Distrito Federal. Entre essas unidades da federação, foram instaladas 200 estações sismográficas, em linha. A partir daí, a refração sísmica possibilitou determinar a estrutura profunda da crosta no Brasil central. Entre os resultados da pesquisa, pôde-se identificar, por exemplo, a distância da Chapada dos Veadeiros até o manto da Terra. A Chapada tem uma crosta terrestre com aproximadamente 42 quilômetros de profundidade.

Outros dados interessantes referem-se à região onde a crosta é menos espessa, como abaixo da cidade de Porangatu, no norte de Goiás), que é de 32 km de profundidade. “Essa diferença de 10 quilômetros é significativa. Isso indica que ali houve um processo de abertura de oceano e sua convergência em massa continental, ou seja, o assoreamento do Oceano de Goyaz”, afirma Fuck. Do ponto de vista da ciência, os geólogos afirmam que identificar a geocronologia do solo profundo proporciona contar uma história com começo, meio e fim. “Essas rochas sedimentadas ajudam a contar a história do nosso planeta. Estudá-las é tão importante quanto o homem ir à Lua”, compara o professor da UnB.

1 - Antes da Pangea
As rochas identificadas no estudo são vestígios de um continente chamado de Gondowana. Sua massa era composta pelas áreas que hoje formam a América do Sul, a África, a Índia, a Austrália e a Antártida. A América do Norte ainda não havia sido formada. Esse continente é ainda anterior à Pangea, massa única existente há aproximadamente 200 milhões de anos, na era Mesozoica.

2 - Separação
Na separação da Pangea, o bloco continental sobre o qual atualmente assenta parte do Nordeste brasileiro, conhecido com cráton do São Francisco, encontrava-se ligado ao que hoje é a Namíbia e o deserto de Kalahari, no sul da África. O afastamento dessas placas empurrou o cráton contra o assoalho do Oceano de Goyaz.

Himalaia brasileiro
Outra observação feita pelos pesquisadores da UnB e da USP é que na região do Planalto Central, há 600 milhões de anos, havia uma cadeia de montanhas que chegava a 8 mil metros de altura. Era o Himalaia brasileiro, que tinha 200km de espessura e se alongava por quase 1.500km, do sul de Tocantins ao sul de Minas Gerais. A evidência que essas gigantes formações existiram está na composição mineral da região. Ela revela que os granulitos do Centro-Oeste formaram-se entre 40km e 60km abaixo da superfície.

As equipes de geólogos das duas universidades afirmam que esses componentes são testemunhas desse remoto Himalaia brasileiro. “São granulitos cuja cor varia do creme ao verde-azulado, salpicados de grãos caramelo-escuro”, conta o geólogo e professor da USP Renato Moraes. Segundo os pesquisadores, essas rochas estiveram na raiz dessa cadeia de montanhas. Isso porque esses granulitos formam-se somente em regiões abaixo da superfície terrestre sujeitas a temperaturas elevadas, da ordem de 800ºC e a pressões altíssimas.

Esses componentes que afloram são testemunhas dessa cordilheira brasileira supostamente formada pela colisão de duas placas. Em um tempo estimado em poucas dezenas de milhões de anos, à medida que uma placa comprime a outra e amplia o enrugamento, pode surgir uma cadeia de montanhas como o atual Himalaia, o Everest, e o K2. Uma placa pode também pressionar o assoalho de um oceano. “Nesse caso, provavelmente a camada de rochas sob o mar mergulhou sob a placa continental, levantando a cadeia de montanhas”, explica Moraes. (SP)

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