(Leonor Assad - Com Ciência) De repente, sente-se uma vibração que aumenta rapidamente; lustres balançam, objetos se movem sozinhos e somos invadidos pela estranha sensação de medo do imprevisto. Segundos parecem horas, poucos minutos são uma eternidade. Estamos sentindo os efeitos de um terremoto, um tipo de abalo sísmico. Diariamente ocorrem muitos abalos sísmicos na Terra. Eles acontecem porque nosso planeta não é estático; é formado por camadas que possuem comportamentos diferentes. Considerando-se suas características químicas e físicas, a Terra é dividida em crosta, manto e núcleo. Mas, observando-se sua estrutura dinâmica, a Terra pode ser dividida em litosfera, astenosfera, mesosfera e núcleo.
Nos primeiros 100 km de espessura, ou seja, numa zona que envolve a crosta e a parte externa do manto, os materiais estão em estado sólido e a camada recebe o nome de litosfera (do grego lithos = pedra). A litosfera não é contínua e apresenta-se fragmentada por falhas e fraturas profundas. Esses fragmentos constituem as placas tectônicas e, atualmente, consideram-se doze placas em todo o globo terrestre. Na verdade, esse número refere-se às grandes placas, existindo também dezenas de placas menores. Abaixo da litosfera, tem-se a chamada astenosfera (do grego, asthenes = fraqueza), uma camada flexível, que se deforma para acomodar os movimentos horizontais e verticais das placas tectônicas. Na superfície, por estar em contato com a atmosfera, as rochas esfriam, formando uma pequena camada sólida e frágil – a litosfera – sobre uma astenosfera, que permanece quente e maleável, ou seja, que se molda em função de movimentos na litosfera.
A litosfera se move constantemente em função da grande quantidade de energia, na forma de calor, existente no núcleo da Terra. Esses movimentos são contínuos e lentos, da ordem de alguns centímetros por ano. Roberto Dall'Agnol, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que é necessário entender a noção de tempo geológico quando nos referimos a movimentos de placas tectônicas. “Em geologia a noção de tempo envolve grandezas enormes, da ordem de milhões de anos, e nossa noção cotidiana de tempo é dias, meses e anos”, observa. Por isso, o constante movimento das placas só é percebido quando duas placas se chocam ou se raspam, provocando um movimento brusco e de grande intensidade. A previsão desses eventos, salienta Dall'Agnol, se dá também em escala de tempo geológico, portanto, não são previsíveis para nossa escala de tempo cotidiana.
Como ocorrem terremotos
“Os movimentos internos da Terra, causados pelo calor, formam correntes de convecção que empurram as placas tectônicas e dão origem a fenômenos como terremotos, vulcões e tsunamis”, explica Marcelo Assumpção, geólogo e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP). “Os terremotos, podem durar segundos ou minutos, e são como ‘escorregões' súbitos no contato entre as placas. Os vulcões surgem em geral onde uma placa oceânica se movimenta para baixo de outra placa; como nessa região a temperatura é muito alta, o calor derrete essa parte que se colocou abaixo e o material fundido sobe à superfície. Os tsunamis são ondas nos oceanos causadas pela movimentação vertical do fundo oceânico durante um terremoto”, detalha. “Terremotos, vulcões e tsunamis são mais frequentes em regiões onde uma placa desce para o interior da Terra por baixo de outra placa”, acrescenta.
Assumpção é especialista em sismologia, ramo da geologia que estuda os sismos ou movimentos que ocorrem na litosfera. Segundo ele, existem três tipos de movimentos: convergente (quando duas placas se chocam), divergente (quando placas se movimentam em direções contrárias) e transformante (quando placas se separam por deslocamento lateral). Alguns desses movimentos provocam abalos que alcançam magnitudes muito altas.
Existem muitas diferenças entre os terremotos e os impactos por eles causados. Este ano, o mundo foi surpreendido por três grandes terremotos: o do Haiti, de magnitude 7, em 12 de janeiro, o do Chile, de magnitude 8,8, em 27 de fevereiro, e o do México, de magnitude 7,2, em 4 de abril. Assumpção esclarece que o terremoto do Haiti teve magnitude alta, mas não excessiva. “Ocorrem, anualmente, perto de dez terremotos no mundo com magnitude 7. A excepcionalidade do caso do Haiti foi que a falha geológica que se movimentou, ou seja, o contato entre a placa do Caribe e a da América do Norte, estava praticamente dentro da cidade de Porto Príncipe, de população elevada e construções não preparadas para suportar grandes vibrações”, completa.
O terremoto do Chile ocorreu em várias profundidades ao mesmo tempo, desde a superfície até uns 50 km de profundidade, enquanto o do Haiti se estendeu numa camada entre 5 e 20 km de profundidade. Mas, segundo o geólogo da USP, não há muita relação entre a profundidade inicial e os danos causados pelos grandes terremotos. “As diferenças de profundidade entre os terremotos do Haiti e do Chile não foram fatores importantes nos danos observados”, insiste. O que determina o alcance dos danos é a magnitude do sismo, isto é, o tamanho da parte da falha geológica que rompeu e se deslocou. “No Haiti, a parte da falha que se deslocou tinha aproximadamente 50 km de comprimento. No Chile, a magnitude foi bem maior, porque a parte da falha que se rompeu, num deslocamento abrupto, tinha cerca de 500 km de comprimento, no contato entre a placa de Nazca (parte do fundo oceânico do Pacífico) e a placa da América do Sul”, afirma.
O fato de termos três terremotos intensos com menos de 90 dias de intervalo entre um e outro, não significa que existam relações diretas entre esses eventos. Dall'Agnol, da UFPA, explica que o abalo no Chile pode ser sentido em São Paulo, por meio de tremores fracos, porque se trata da mesma placa. “Esses movimentos envolvem grandes massas de rocha e produzem tensões que se acumulam em vários pontos. Como os processos naturais tendem sempre para o estado de menor energia, quando as rochas atingem o limite de resistência, ocorre uma ruptura. Mas esses processos, de acumulação e dissipação de energia, são localizados”, pontua.
Brasil não está livre de abalos sísmicos
O Brasil se encontra na região central de uma placa tectônica muito grande, a Placa Sul-Americana, a milhares de quilômetros de distância dos limites com a Placa Africana, a leste, e com a Placa de Nazca, a oeste. Nem por isso está isento de abalos sísmicos, pois há regiões da Placa Sul-Americana que são mais fracas e podem “trincar” com as pressões relacionadas com a sua movimentação geral. O geólogo Joaquim Mendes Ferreira, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e coordenador do Laboratório de Sismologia daquela universidade, explica que existem sismos intraplaca, que ocorrem no interior da placa, e sismos de borda de placa, que ocorrem nas margens ou limites de placas. Sismos de borda de placa são mais frequentes e podem atingir magnitudes maiores que os sismos intraplaca, diz Ferreira.
Segundo o geólogo da UFRN, todos os sismos que ocorrem no Brasil são do tipo intraplaca, com exceção dos sismos profundos do Acre, que ocorrem a 600 km de profundidade. Nesse caso, esclarece Assumpção, da USP, “a placa de Nazca está mergulhando por baixo da Placa Sul-Americana e os sismos quase não são sentidos na superfície”. Muitos sismos brasileiros ocorrem em profundidades que vão da superfície até 40 km de profundidade, mas a maioria se dá nos primeiros 10 km de profundidade. Em março deste ano, Alagoinha, cidade localizada no agreste de Pernambuco e a 225 km de Recife, registrou 65 pequenos tremores de terra em oito dias. Segundo Assumpção, esses tremores foram devidos a movimentações abruptas em falhas geológicas, com extensões de algumas dezenas de metros e, por isso, com vibrações bem mais fracas que as do Chile, do Haiti e do México.
Existem fatores geológicos que influenciam a distribuição dos sismos. Ferreira, da UFRN, afirma que, de acordo com os conhecimentos atuais, “a região Nordeste do Brasil é a de maior atividade sísmica do país”. Mas isso não quer dizer que essa atividade se distribui uniformemente. Segundo ele, essa sismicidade é mais intensa na borda da Bacia Potiguar (noroeste do Ceará), no Lineamento Pernambuco (falha geológica de 700 km de extensão e 30 metros de profundidade que atravessa longitudinalmente o estado de Pernambuco) e no Recôncavo da Bahia (região em torno da Baía de Todos os Santos, onde se situa Salvador). Ferreira explica que o conhecimento da atividade sísmica depende essencialmente de duas formas de dados, os macrossísmicos e os instrumentais. Os dados macrossísmicos provêm de relatos feitos por pessoas. “No passado, as fontes eram livros, jornais e levantamentos feitos na região; hoje, ainda temos o rádio, a TV e a internet”, diz. Os dados instrumentais são obtidos analisando registros de estações sismográficas.
Portanto, o conhecimento sobre abalos sísmicos numa dada região depende da data a partir de quando ela foi ocupada, em termos históricos, e de sua densidade populacional. Depende também da densidade de estações nessa região. “Como a região Norte é de ocupação mais recente, menos habitada e com menor densidade de estações sismográficas, é possível que sua atividade sísmica esteja bastante subestimada”, pondera Ferreira.
Vulcões no Brasil são coisas de um passado remoto?
No território brasileiro, existem vários vestígios de eventos vulcânicos, desde os muito antigos, como o vulcanismo ocorrido há três bilhões de anos numa área onde hoje se encontra o estado do Pará, até o mais recente, de alguns poucos milhares de anos, na ilha de Trindade, na costa do Espírito Santo. No Brasil, ocorreram atividades vulcânicas de altíssima intensidade, num período que se estende de 135 a 65 milhões de anos atrás (o Cretáceo). Esses eventos aconteceram onde hoje estão Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai, Paraguai e Argentina. Deram origem à maior área de vulcanismo basáltico existente no mundo, com 1.200.000 km 2.
Dall'Agnol, da UFPA, explica que toda a dinâmica dos vulcões está relacionada com as placas tectônicas. A maioria dos vulcões ocorre ao longo ou próximo das bordas de placas, resultantes de movimentos convergentes ou divergentes. “Podem ser formados por subducção (mergulho de uma placa sob outra) ou quando duas placas se afastam no fundo dos oceanos”, afirma. Ele acrescenta que eventualmente podemos ter vulcões intraplacas. “Nesses casos, ocorre um quebramento de continente”. O vulcanismo intraplaca ocorre quando existe um ponto quente, no qual o material sólido quente ascende em jatos estreitos e cilíndricos, de locais profundos do manto. O geólogo salienta que os vulcões brasileiros estão inativos, atualmente, porque nosso território ocupa a parte central de uma grande placa tectônica, muito antiga e muito estável. Segundo ele, embora abalos sísmicos, vulcões e tsunamis estejam relacionados entre si e ocorram em áreas de atividade física, pode ocorrer abalo sísmico, sem ocorrer vulcanismo.
Embora a grande maioria dos eventos sísmicos tenha origens naturais, alguns podem ser induzidos por atividades humanas. Dall'Agnol explica que o enchimento de reservatórios de água em grandes barragens, a extração de petróleo, as explosões subterrâneas, a injeção profunda de fluidos sob alta pressão e as atividades de mineração e de pedreiras também podem causar abalos sísmicos. “Essas atividades podem provocar reajuste de camadas de rochas, com pequenos abalos, absolutamente localizados”, avalia o geólogo.
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