(Carolina Simas e Clara Montagnoli - Com Ciência) Aproximadamente um milhão de pessoas estão desabrigadas ou vivendo em tendas no Haiti após o terremoto que assolou a capital, Porto Príncipe. Apesar de ter tido intensidade maior, o terremoto no Chile fez menos vítimas que no país caribenho, em função da qualidade de suas construções. O governo do Haiti já estuda o estabelecimento de novos códigos de construção para o país.
As construções haitianas não estavam planejadas para resistir a terremotos. Deficiência de reforço de aço em suas edificações, somada ao uso de concreto de má qualidade, foram um dos principais fatores para os desabamentos. Esses eventos vêm levando especialistas a estudarem tecnologias mais resistentes de construção.
Posicionado no interior da placa tectônica, o Brasil não sofre com abalos intensos da terra. Mas, em compensação, suas habitações irregulares são alvo frequente de outros fenômenos naturais como, por exemplo, as chuvas.
Se uma área é mais propensa a terremotos, a condição econômica local é que irá definir a quantidade de investimentos em tecnologias anti-sísmicas ou em uma arquitetura mais conectada com o ambiente - muitas vezes, a solução para os danos causados por desastres naturais não está na sofisticação das construções, mas sim em sua simplicidade. A arquiteta paulistana Rita Müller de Almeida, acredita que a resposta para o problema das construções no Haiti pode estar em suas origens. “A arquitetura vernacular que usa materiais locais dos haitianos mantinha vínculo com a natureza local, o que atendia às necessidades do povo”, afirma. Segundo ela, é provável que o país colonizador do Haiti, a França, tenha interferido em seus modos de construção.
A comunidade internacional prometeu destinar cerca de US$ 5,3 bilhões ao Haiti nos próximos dois anos. Isso significa que os interesses de construtoras também vão definir os tipos de construção. “Neste momento, a ajuda financeira está atraindo construtoras preocupadas em atender seus interesses econômicos e não das habitações dos haitianos”, alerta Rita.
A resistência das fundações e estruturas
Segundo o professor do Departamento de Sismologia, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), da Universidade de São Paulo (USP), Afonso E. Vasconcelos Lopes, a ideia de que o Chile estava mais bem preparado para o terremoto, em termos de tecnologias de construção, é parcialmente falsa. “O Chile não possui construções anti-sísmicas, mas sim obras dentro dos parâmetros aceitos pelo país”, afirma. O controle das normas de construção não é algo dispendioso para os países, ao contrário da implantação de novas tecnologias nessa área.
Durante um terremoto, as estruturas são danificadas ou destruídas pelo intenso movimento de placas tectônicas que causam ruptura e estremecimento do solo. A resistência sísmica nas edificações depende de suas estruturas e fundações.
Um importante recurso utilizado em prédios novos, no Chile e em outras regiões sísmicas, é o uso de aparelhos de apoio na base dos edifícios. De acordo com Waldemar Hachich, professor da Escola Politécnica da USP e especialista em engenharia geotécnica, esses aparelhos servem para isolar o efeito das fortes vibrações. Coloca-se entre as fundações e a super-estrutura uma peça constituída de camadas de elastômero (neoprene) e aço. Essa peça é resistente, porém muito deformável. "Durante as vibrações do tremor, o aparelho de apoio se deforma bastante horizontalmente, devido à sua flexibilidade, mas por isso mesmo transmite poucas vibrações aos pilares da edificação”, explica Hachich.
Em edifícios que não possuem esses aparelhos de apoio, o efeito do tremor é diferente. De acordo com Hachich, toda a movimentação da base do edifício é então transmitida à super-estrutura, a qual, por inércia, demora a reagir, criando-se assim um efeito de corte nos pilares, que pode levar à ruína das edificações.
Para tornar o edifício mais preparado aos tremores, uma medida complementar ao uso de aparelhos de apoio é utilizar paredes bastante rígidas ( shear walls, em inglês) em pontos estratégicos. Esse tipo de parede faz com que o edifício se deforme pouco sob a ação do terremoto e resista bem a essas deformações, preservando o restante da estrutura. Outra solução às vezes utilizada é baseada em amortecedores ativos: basicamente osciladores projetados para que grandes massas (em geral instaladas no topo de edifícios altos) deslizem vários centímetros, de modo a prover uma “compensação dinâmica” que leva os próprios edifícios a oscilarem muito menos. É o que se vê, por exemplo, no topo do edifício do Citicorp, um dos marcos da skyline de Nova Iorque.
Uma técnica de fundação rasa, chamada radiê, atua na distribuição uniforme das cargas da estrutura da construção para o terreno. “O radiê produz movimentos de ondulação que acompanham as vibrações do terremoto e, com isso, evitam maiores danos na construção”, explica Rita. O uso do radiê é comum em países com maior incidência de terremotos, como o Japão. Ele funciona como uma laje de concreto armado com armadura dupla de aço nas direções superior e inferior.
A escolha dos materiais nas edificações também é um fator decisivo para evitar estragos depois dos terremotos. O aço, por exemplo, possui propriedades flexíveis se comparado ao concreto e permite que edifícios mais altos se ajustem melhor ao forte tremor.
Apesar de muitas residências no Chile terem desmoronado no terremoto do último dia 27 de fevereiro – de magnitude 8.8 na escala Richter –, o saldo foi menos desastroso se comparado ao ocorrido décadas atrás. No recente terremoto, houve cerca de setecentas mortes e não foi mais trágico em razão de precauções de códigos urbanísticos adotados no país. Em 1960, após um tremor de magnitude 9.5, dois milhões de pessoas ficaram desabrigadas e cinco mil foram mortas.
No caso do Haiti, infelizmente, a catástrofe foi maior. Após o terremoto do dia 12 de janeiro, morreram mais de 200 mil haitianos, mesmo tendo sido cerca de quinhentas vezes menos violento do que o abalo sísmico no Chile.
Novas tecnologias em construção
Novas técnicas estão sendo desenvolvidas com o mesmo intuito de preservar as estruturas dos edifícios, casas e pontes. Pesquisadores ingleses e franceses estão testando um escudo antiterremoto a partir de metamateriais – que possuem propriedades eletromagnéticas produzidas artificialmente – capazes de proteger as construções das ondas de choque superficiais, que são as mais nocivas e causam os maiores danos. A tecnologia é caracterizada por anéis de plástico instalados na superfície da terra. Colocados próximo às construções, os metamateriais desviam as ondas na superfície da terra, como um escudo antiterremoto.
Outra nova tecnologia é oriunda de um dos países mais atingidos por fortes abalos sísmicos, o Japão. A descoberta, feita por físicos da Universidade Tohoku, consiste em uma liga metálica de alto poder de elasticidade. O material suporta deformações de até 15%, retornando em seguida à sua forma original. Batizada de NCATB, a liga é constituída de um composto de ferro e uma mistura de níquel, cobalto, alumínio e tântalo, além de ser duas vezes mais elástica que o nitinol (liga metálica de titânio e níquel). Esse material poderia, em princípio, ser utilizado com vantagens em aparelhos de apoio.
Prevenções contra inundações
As fortes chuvas, enchentes e deslizamentos tem sido um dos problemas que mais tem afligido os estados brasileiros. Segundo Hachich, a primeira providência a ser tomada é preventiva: a construção em áreas regularizadas e com observância estrita dos códigos de construção.
Para evitar desabamentos causados por tempestades e inundações, a principal medida a ser tomada é o controle da água, que pode ser feito de duas maneiras: drenagem externa ou superficial e drenagem interna ou profunda. A primeira consiste no uso de canaletas e outras obras relativamente simples, que impedem a água de infiltrar o solo. Já a drenagem interna é feita para controlar a água já infiltrada: ao invés da água ficar fazendo pressão dentro do terreno e tendendo a instabilizá-lo, drenos profundos, perfurados no terreno, permitem que ela escoe, drenando o lençol freático.
Essas duas técnicas são as formas mais básicas de controlar a água e muitas vezes são necessários outros tipos de intervenção. “Qual é o papel do sistema de drenagem superficial e interna? É o mesmo papel dos aparelhos de apoio colocados nos prédios chilenos. É tentar conviver com algo que você sabe que vai acontecer. Técnicas de minimizar o efeito”, explica Hachich.
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