(Correio Braziliense /JC) Ao instalar um laboratório a apenas 700km do Polo Sul, o Brasil poderá monitorar o clima na Antártica e avaliar como suas queimadas afetam a região, que sofre ainda com o aquecimento global e o avanço da pesca comercial.
Mesmo em um mundo com 7 bilhões de pessoas, a Antártica permanece um lugar livre da urbanização. A fria região, contudo, é uma das que mais sofrem com os efeitos das agressões humanas ao planeta, originadas a milhares de quilômetros dali. Suas bordas são afetadas pelo aumento da temperatura na Terra, e, pouco a pouco, seu gelo, que preserva a temperatura amena e serve de reservatório de água doce, vai sendo dilacerado. Na tentativa de entender um pouco melhor como esse complexo sistema funciona, o Brasil começa no início do próximo mês uma aventura inédita. A 2,5 mil quilômetros da Estação Antártica Nacional, será instalado o Criosfera 1, o primeiro laboratório tupiniquim cravado no interior do continente gelado, a menos de 700km do Polo Sul.
O grupo de pesquisadores que embarcará no Projeto Criosfera vai estudar uma série de questões ligadas à química da atmosfera, à glaciologia, à geofísica e à climatologia. "Entre as pesquisas, destacam-se os estudos sobre o transporte de poluentes da América do Sul para o centro da Antártida. Nossos cientistas estão interessados em saber se já existem sinais de poluição atmosférica causada pelas queimadas no Brasil no Continente Branco", explica Jefferson Cardia Simões, diretor do Centro Polar e Climático (CPC), instituição que coordena as atividades científicas do Programa Antártico Brasileiro. "Para isso, o módulo colherá amostras do ar continuamente, coletando gases e micropartículas sólidas, como a fuligem decorrente da queima de biomassa e de hidrocarbonetos." A análise dessas partículas poderá determinar se a poluição que ameaça a região é proveniente do Brasil.
O interesse de pesquisadores do mundo todo na Antártica se deve, em boa parte, às suas características geológicas, que representam um panorama importante das mudanças climáticas ao redor da Terra, tanto nos evento atuais quanto em outros processos de aquecimento pelos quais o planeta já passou. "A neve e o gelo polar guardam o melhor arquivo das mudanças do clima e da química da atmosfera ao longo de milhares de anos", conta Simões. "Uma perfuração do gelo de aproximadamente 150m ajuda a desvendar a história ambiental dos últimos 500 anos", exemplifica o especialista, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
As mudanças climáticas, no entanto, não são a única ameaça à região. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), cerca de 85% das regiões mundiais de pesca são classificadas como excessivamente exploradas ou já estão em estado DE esgotamento. Com isso, o continente gelado passa a ser alvo da indústria pesqueira. "Espécies da Antártica estão sob crescente pressão da pesca comercial", afirma ao Correio Stephen Campbell, diretor da Aliança Oceânica Antártica, organização internacional que trabalha na proteção das regiões próximas ao Polo Sul.
"A pesca no Mar Ross da Antártida começou em 1996. Desde então, a região se tornou um campo de pesca para os navios em busca de espinhel antártico e da marluza-negra. Apenas em 2010, 18 navios de sete países foram pegos pescando marluza-negra nesse deserto oceânico praticamente intocado", denuncia.
Camada de ozônio - A pesca se soma a outro tradicional problema da Antártica: o buraco na camada de ozônio. Conhecida desde os anos 1970, a brecha, que na verdade é uma zona mais fina na região gasosa que recobre a Terra e regula sua temperatura amena, agrava ainda mais os efeitos do aquecimento global. Isso porque ela permite a entrada de uma quantidade excessiva de calor justamente em uma região que guarda grandes reservas das geleiras do planeta. Em 12 de setembro passado, o buraco atingiu seu maior nível do ano e o nono maior das últimas duas décadas. Segundo a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) e a Administração Atmosférica e Oceânica dos EUA (Noaa), o buraco alcançou 16 milhões de quilômetros quadrados.
De acordo com Clare Nullis, representante da Organização Mundial de Meteorologia (OMM), órgão vinculado às Nações Unidas, um dos grandes problemas enfrentados pelo continente, em especial em relação ao buraco na camada de ozônio, é a lentidão com que essa região se recupera. "Governos e suas populações têm feito muito para ajudar a preservar a camada de ozônio, por meio do Protocolo de Montreal, que freou a emissão de gases que consomem a camada", diz a especialista. "O problema é que muitas das substâncias permanecem na atmosfera por um longo tempo. Por mais que a comunidade internacional tenha interrompido o declínio da camada, levará mais tempo para ela realmente se recuperar", completa.
Três perguntas para Jefferson Cardia Simões, diretor do Centro Polar e Climático.
Por que é tão importante estudar o continente antártico?
A Antártica é parte integral do sistema ambiental terrestre e um dos principais controladores do clima do Brasil. As modificações que lá ocorrem afetam nosso cotidiano. Além disso, o regime jurídico internacional para toda a área do planeta ao sul de 60°S é o Tratado da Antártica, que tem a peculiaridade de exigir das partes signatárias um substancial programa científico. Assim, ao instalar seu primeiro módulo no interior do continente e realizar um projeto científico de vanguarda, a expedição Criosfera expande as pesquisas sobre as relações ambientais Antártica-Brasil e reforça a posição do País no tratado.
O continente é uma região rica em minérios, atualmente protegidos por tratados internacionais. O senhor acredita que, no futuro, isso pode se tornar objeto de disputa?
Ainda não temos nenhuma jazida mineral determinada. E a exploração seria economicamente inviável hoje. Com o avanço tecnológico, poderão ocorrer disputas. Haverá condições de explorar alguns desses recursos, mas não todos, pois 99,6% da Antártica está embaixo de um manto de gelo com espessura média de 2km. Evidentemente, petróleo seria um dos possíveis recursos a serem explorados, mas num futuro distante, mais de 50 anos. O primeiro recurso a ser explorado será a água, pois o continente guarda na forma de gelo e neve 70% das reservas de água doce do mundo. São 25 milhões de quilômetros cúbicos, o suficiente para cobrir todo o território do Brasil com uma camada homogênea de gelo de quase 3 km de espessura.
Neste ano, o buraco na camada de ozônio atingiu um recorde. Por que, mesmo sendo um dos problemas ambientais mais antigos e conhecidos, ele ainda persiste sem solução?
Por dois motivos, principalmente. Primeiro, existem variações naturais no ozônio estratosférico. Além disso, a comunidade científica sabe que os gases destruidores do ozônio lançados desde a década de 1950 ainda levarão 40 anos para serem removidos da atmosfera e pararem de atuar no processo de destruição do ozônio.
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