Encolhimento da área de gelo permitiu criar rotas de navegação que não existiam há dez anos
(The New York Times / iG) Enquanto contornava a ponta mais setentrional da Rússia em seu rebocador oceânico no verão do Hemisfério Norte, o capitão Vladimir V. Bozanov viu muitas morsas, bandos de belugas e, ao longe, alguns icebergs.
Uma coisa que não encontrou enquanto rebocava uma barcaça industrial durante 3.702 quilômetros através do Oceano Ártico foi gelo sólido impedindo o caminho ao longo da rota. Segundo ele, dez anos atrás, uma passagem sem gelo, mesmo no auge do verão, era excepcionalmente rara.
Porém, cientistas ambientais dizem que agora não existe dúvida de que o aquecimento global está encolhendo a calota de gelo do Ártico, abrindo novas vias marinhas e deixando as rotas anteriormente navegáveis perto da costa mais acessível durante mais meses do ano.
Independentemente de quais forem as repercussões ambientais terríveis de gases de efeito estufas, empresas da Rússia e de outros países ao redor do Oceano Ártico estão explorando novas oportunidades comerciais trazidas pelo aquecimento.
As companhias petroleiras podem ser as mais prováveis beneficiárias, à medida que o encolhimento da calota polar abre mais leito marinho à exploração. A Exxon Mobil, gigante do petróleo, recentemente assinou um contrato extenso para perfurar o setor russo do Oceano Ártico.
Contudo, mais do que nunca, empresas de navegação, mineração e pesca também estão olhando para o norte.
O presidente da Islândia, Olafur Ragnar Grimsson, declarou numa conferência recente sobre navegação no Oceano Ártico realizada nesta cidade portuária russa perto do Círculo Ártico que era ''paradoxal que novas oportunidades surgissem para as nossas nações’' ao mesmo tempo em que a ameaça das emissões de carbono se ''torna iminente’'.
Enquanto isso, o primeiro-ministro russo, Vladimir V. Putin, deu apoio total às novas perspectivas comerciais no norte que está descongelando.
De acordo com ele, ''o Ártico é o atalho entre os maiores mercados da Europa e da região asiática banhada pelo Pacífico. É uma oportunidade excelente para otimizar os custos’'.
No último verão, um dos mais quentes no Ártico, um petroleiro estabeleceu um recorde de velocidade ao atravessar o Oceano Ártico em seis dias e meio, transportando uma carga de gás natural condensado. O recorde anterior era de oito dias.
Segundo os cientistas, nos últimos dez anos o tamanho médio da calota polar em setembro, época do ano em que é menor, tem sido cerca de dois terços da média das duas décadas anteriores. O Programa de Monitoramento e Avaliação do Ártico, grupo norueguês que estuda a região, prevê que dentro de 30 ou 40 anos o Oceano Ártico inteiro não terá gelo durante o verão.
Assim, planos comerciais estão sendo traçados para capitalizar as mudanças numa parte do mundo que durante boa parte da história da navegação era mais conhecida pelos sinistros registros finais nos diários de exploradores como Hugh Willoughby, da Inglaterra. Ele morreu junto com a tripulação em 1553 tentando navegar nesse atalho entre Europa e Ásia, conhecido como Passagem Nordeste.
Os russos, navegando perto da costa, usam a Passagem Nordeste há um século. Eles a abriram para a navegação internacional em 1991, após o fim da União Soviética. Contudo, só recentemente as empresas começaram a achar a rota rentável, à medida que o encolhimento da calota polar abriu caminhos mais distantes da costa – permitindo que grandes navios modernos, de maior calado, façam a viagem, eliminando dias de viagem e economizando combustível.
Em 2009, os dois primeiros cargueiros internacionais viajaram ao norte da Rússia indo da Europa à Ásia. Neste ano, até agora, 18 navios fizeram a travessia, praticamente sem gelo.
Entre as viagens houve um cruzeiro turístico pela Passagem Nordeste, o primeiro de todos, partindo de Murmansk e chegando a Anadyr, porto russo no Oceano Pacífico, do outro lado do Alasca, através do Mar de Bering.
''A viagem ofereceu atrações como estações polares russas abandonadas’', salientou a Aurora Expeditions, operadora australiana, no material de divulgação.
Em algumas rotas, a viagem acima da Rússia agora é competitiva em relação à passagem da Europa para a Ásia via Canal de Suez. A viagem de Roterdã a Yokohama, Japão, pela Passagem Nordeste, por exemplo, é quase 7.162 quilômetros mais curta do que a rota atualmente preferida por Suez, segundo o ministro russo dos transportes. (É claro, a rota ártica tem um caminho a percorrer antes de chegar as 18 mil embarcações anuais que atravessam o Canal de Suez.) No entanto, o uso principal da navegação pelo Oceano Ártico até agora tem sido dar apoio a outros setores que rumam para o norte, como mineração e perfuração de petróleo, segundo participantes da conferência russa.
A Tschudi, empresa de navegação norueguesa, comprou e botou para funcionar uma mina de ferro desativada no norte da Noruega para despachar minério para a China pela Passagem Nordeste. A viagem para Lianyungang, China, demorou 21 dias em 2010, comparados aos 37 dias geralmente exigidos para chegar ao país por Suez. Executivos da Tschudi estimam economizar US$ 300 mil por viagem.
''Pouquíssimas pessoas da comunidade de navegação conhecem essa rota’', disse Felix Tschudi, presidente da empresa, durante entrevista.
A mina de níquel e cobre da companhia russa Norilsk agora pode enviar seus metais pelo Oceano Ártico sem fretar quebradores de gelo, como no passado, economizando milhões de rublos para os acionistas. No noroeste do Alasca, a mina Red Dog, de chumbo e zinco, envia os minérios pelo Estreito de Bering, que está bem menos coalhado de gelo do que nas décadas passadas.
O escritório moscovita do Citigroup identificou cinco empresas russas bem posicionadas para se beneficiar do aquecimento global no norte, onde as temperaturas estão aumentando duas vezes mais rápido do que a média global.
Além da Norilsk, eles incluíram a Sovcomflot, empresa estatal de navegação e as duas maiores empresas de gás natural do país: Gazprom e Novatek. A quinta é a Rosneft, estatal de petróleo que firmou uma joint-venture com a Exxon Mobil para fazer perfurações no mar de Kara, parte do trecho russo do Oceano Ártico. A Rússia está reformando um estaleiro militar nos arredores de Arkhangelsk, que produzia submarinos nucleares para a União Soviética, para fabricar plataformas de exploração de gás e petróleo que suportem o gelo.
Para a indústria pesqueira internacional, o alvo é o chamado buraco da rosquinha do Oceano Ártico – os milhões de quilômetros quadrados no centro do oceano que estão além dos 322 quilômetros das zonas econômicas exclusivas das nações costeiras. Até 2000, o buraco da rosquinha passava o ano inteiro congelado. Agora, vastos trechos ao norte do Alasca e leste da Sibéria costumam ficar sem gelo no verão.
O espectro das nações famintas ao sul pescando na região agora navegável levou à edição de um relatório recente do Pew Environment Group alertando que, sem um novo conjunto de regras para a região, as populações de bacalhau do Ártico podem ser dizimadas.
Enquanto isso, como as banquisas de gelo ainda ameaçam a navegação mesmo na rotas marinhas de outra forma desimpedidas, autoridades dos Estados Unidos, Rússia e Noruega estão estudando o potencial comercial de reformar portos nos dois lados da Passagem Nordeste para transferir contêineres de cargueiros comuns para embarcações quebra-gelo que transitariam pelo Oceano Ártico, atendendo a Ásia, Canadá, a Costa Oeste dos Estados Unidos e a Europa.
Com esse plano, portos agora irremediavelmente remotos como Kirkenes, Noruega, ou Adak, Alasca, ao sul do Estreito de Bering, podem ser transformados em hubs logísticos frenéticos para a navegação ártica.
O vice-governador do Alasca, Mead Treadwell, foi um dos participantes da conferência russa. Ele observou que mercadorias no valor de quase US$ 1 bilhão passaram pelo Estreito de Bering ano passado.
''Os navios estão chegando’', ele disse.
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